Sara R. Oliveira| 2008-09-11
O Ministério da Educação vai dar 500 euros aos melhores alunos do Secundário. "O que é 'ser o melhor 'na periferia socialmente deprimida de uma grande cidade?", questiona José António Gomes, professor de Literatura. "Prémios como este ajudam ao desenvolvimento da emulação", defende Carlos Fiolhais, professor de Física.
O melhor aluno de cada escola secundária do país que frequente os cursos científico-humanísticos e profissionais ou tecnológicos vai receber 500 euros. O prémio sai do bolso do Ministério da Educação (ME) que pretende assim "reconhecer e valorizar o mérito, a dedicação e o esforço no trabalho e desempenho escolares". O estudante recebe ainda um diploma assinado pelo presidente do conselho executivo ou director ou pelo director pedagógico no caso do ensino particular e cooperativo. O nome dos distinguidos é divulgado nas escolas, no site da direcção de educação da respectiva área e no portal da tutela. A entrega dos prémios do ano lectivo anterior está marcada para amanhã, 12 de Setembro.
As notas são arredondadas às décimas e a classificação à disciplina de Português pode servir para desempatar. Nos cursos científico-humanísticos, o prémio vai para o aluno que tenha a melhor classificação e, em caso de empate, os 500 euros vão para o que tenha obtido a melhor nota na disciplina trienal da formação específica, enquanto a classificação de Português funciona como segundo critério de desempate - o mesmo se passa nos cursos profissionais e tecnológicos. Nestes cursos, em caso de empate, o primeiro critério é a classificação obtida na prova de aptidão profissional ou tecnológica.
Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra, concorda com a medida. "No sistema de ensino português, há uniformidade a mais. O mérito não é, em geral, premiado e os melhores não são suficientemente distinguidos. Prémios como este ajudam ao desenvolvimento da emulação", defende. O docente recorda, no entanto, que a iniciativa não é original. "Uma associação ligada ao nome de um professor de Física de Lisboa já falecido, José Pinto Peixoto, com sede na aldeia da Guarda de onde ele é natural, Miuzela, entrega desde há alguns anos prémios aos melhores alunos do secundário de todo o país, havendo premiados que têm as notas máximas. Mas precisamos de mais prémios no sector da educação, tanto para alunos como para professores. Os melhores devem ser mais bem conhecidos!".
O prémio significa mais dedicação? "Todos os seres humanos precisam de estímulos. Mas claro que prémios como este não irão resolver como uma varinha mágica os problemas da escola, como o da falta de motivação e de empenho de muitos alunos. Há acções mais fundas e estruturais de melhoria da escola a fazer. O pequeno investimento nos prémios não devem esconder o grande investimento que é preciso em vários sectores, nomeadamente na melhor formação dos professores e no melhor apetrechamento das escolas - e não estou a falar da ilusão informática, mas de laboratórios decentes, ginásios, etc.", sublinha.
O prémio poderá mexer com a dinâmica das próprias escolas? "Pode ajudar um pouquinho". E alterar a estratégia? "Quanto à estratégia, que bom que era que houvesse uma estratégia escolar... O nosso sistema educativo tem andado infelizmente à deriva e o ME, ao longo de vários governos, não tem sabido pegar no leme". Mais observações. "Acho curioso que os sindicatos - os sindicatos que temos são pré-históricos - querendo atacar os governos, o façam a torto e a direito, como aliás lamentavelmente se faz na política partidária, e não consigam distinguir o que é melhor do que é pior, o que é desejável do que é indesejável". "Espero que tenham o bom senso de não se pronunciarem sobre esta questão dos prémios escolares, como se pronunciaram sobre a questão do prémio nacional para professores, uma boa iniciativa do Governo. Primeiro porque não é um assunto de natureza sindical e segundo porque os sindicatos, em geral, têm sido em grande parte corresponsáveis pela uniformidade nas escolas. Para eles não há melhores nem piores professores, como dizia um dirigente sindical haveria 'excelentes' e 'menos excelentes'...", acrescenta Fiolhais.
"Sinal de 'americanização'"
José António Gomes, autor de diversos livros para crianças e professor de Literatura na Escola Superior de Educação do Porto, não concorda com a atribuição do prémio. "Serão fiáveis os critérios com base nos quais são seleccionados os melhores? Duvido. E o que é 'ser o melhor'? É tão-só o que obtém melhores resultados no domínio cognitivo? Na avaliação contínua ou nos exames nacionais? O que é 'ser o melhor' na periferia socialmente deprimida de uma grande cidade? Ou no interior desertificado e pobre? Ou numa zona de classe média de uma grande cidade? Possuem todos as mesmas condições sociais, económicas e culturais para aceder a bons resultados? E, na definição dos melhores, em que medida são premiados o espírito crítico, o sentido da solidariedade, a aprendizagem de regras sociais, a capacidade de contribuir positivamente para um projecto colectivo?", questiona.
O docente duvida da "bondade da medida". "Desconfio, por princípio, deste tipo de 'motivações' que apenas encontram como prémio possível um valor monetário. A meu ver, é mais um sinal de 'americanização' e de promoção do individualismo e da competitividade (que, para mim, está longe de ser um valor) - embora ache que nenhum aluno vai pensar propriamente nisso durante o seu dia-a-dia escolar."
Mais dedicação? José António Gomes desconfia. "Ninguém vai andar a pensar nisso, durante as suas prestações. Este tipo de apoio não seria mais eficaz se investido no suporte a pequenos projectos que envolvessem os alunos? Por exemplo, uma intervenção comunitária, uma pesquisa de contornos científicos e/ou tecnológicos ou mesmo no campo da história local, a montagem de um espectáculo artístico, a criação de uma microestrutura empresarial geradora de receitas e enraizada na realidade cultural e económica em que a escola está inserida?". Na sua opinião, este assunto não é assim tão linear. "Duvido que a grande massa dos alunos experimente um sentimento de orgulho. Não se fomenta, ao invés, a inveja, o individualismo e, na massa, por ressentimento, um certo desdém por aquele que investe no saber?", pergunta.
E nada mudará. "Não é uma medida destas, avulsa e desgarrada, com mais de propagandístico e de mediático do que outra coisa (quantos serão os contemplados?), que tem o poder de alterar qualitativamente a dinâmica de uma escola ou a estratégia de ensino e aprendizagem. É porque fez contas e sabe que poucos serão os contemplados que o ME implementa uma medida deste tipo." O professor fala também como pai. "Tenho um filho que foi o melhor aluno de toda a sua faculdade durante a licenciatura; que, por isso, recebeu dois prémios monetários importantes e que ficou em primeiro lugar, na sua área científica, no concurso para atribuição de bolsas de doutoramento da Fundação de Ciência e Tecnologia. Na escola secundária, foi óptimo aluno, não era individualista, mas nunca foi 'o' melhor - logo, é duvidoso que estivesse em condições de receber um prémio como o que agora é promovido pelo ME. E, no entanto...".
Teresa Pinto de Almeida, professora de Inglês na Secundária Carolina Michäelis, no Porto, e distinguida com o Prémio de Mérito Carreira pelo ME, vê o prémio como uma "distinção significativa que valoriza o mérito e reconhece publicamente os melhores desempenhos em cada instituição escolar". "Em alguns casos essa verba poderá funcionar como uma motivação adicional e permitir ao premiado um investimento na sua formação específica durante as férias, quer no país quer no estrangeiro. É cada vez mais frequente assistir a este tipo de atitude formativa por parte dos jovens que finalizam o Ensino Secundário."
Um motivo de orgulho para todos? "Sem dúvida alguma. Serve de exemplo e estímulo para toda a comunidade educativa." A distinção poderá modificar a dinâmica e a estratégia escolares? "Por si só não me parece que possa ter esse impacto a nível da dinâmica de escola, mas poderá ser mais um reforço a acrescentar a outros no sentido de promover o sucesso escolar", responde.
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